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Mauro Kwitko: A desigualdade social.


A desigualdade social sempre existiu e continuará existindo por muito e muito tempo. Ela é fruto de uma grande ilusão: a de que somos o nosso corpo e seus rótulos e estamos vivendo “a vida” e, então, precisamos aproveitá-la, quer seja para ser rico e viver os “prazeres da vida”, quer seja para explorar os demais, fisicamente ou psicologicamente, quer seja para trabalhar o mínimo possível e aproveitar ao máximo “a vida”, quer seja para fabricar, produzir ou vender produtos que rendam dinheiro mesmo sendo maléficos para as pessoas, quer seja para criarmos atividades e profissões egóicas, endeusadas, em que seus praticantes são fruto de intensa admiração e inveja por parte dos demais, quer seja para desejar ascender na pirâmide social, para sermos o que a mídia chama de os “vencedores”, querermos ser os que conseguiram, os que chegaram lá, enfim, várias são as maneiras como essa ilusão manifesta-se em uma sociedade constituída de pessoas que estão vivendo “a vida” e não “mais uma passagem pela Terra”, que estão sob o comando de seu ego e não de seu Eu espiritual, que estão hipnotizadas e não sabem disso.

         Mas não defendo a ideia de que enxergar a verdade e aproveitar a encarnação, no sentido evolutivo espiritual, seja um atributo das pessoas que acreditam na Reencarnação, pois a maioria dos reencarnacionistas ainda não passou de um estágio apenas teórico a esse respeito e estão longe da prática que esse conhecimento deveria implicar. Tanto que, em nossos consultórios, quase a totalidade das pessoas que chegam para um tratamento com a Psicoterapia Reencarnacionista acredita na Reencarnação mas demonstra, nos seus temas e assuntos, nos seus dramas e sofrimentos, que ainda está no 1º degrau: o de acreditar na Reencarnação mas sem ainda ter dado o passo seguinte, rumo ao 2º degrau, que é começar a relativizar todos os seus rótulos e das demais pessoas, reler a sua infância sob a ótica reencarnacionista, libertar-se de si e colocar em prática saber que aqui é apenas um lugar de passagem.

Daqui, nada levaremos além dos nossos atos, que irão anotados no nosso Livro do Destino e que determinarão a nossa auto-avaliação negativa ou positiva lá no Mundo Espiritual a respeito de nossa atuação terrena e a co-criação (numa parceria entre nós e o Todo que, na verdade, somos nós também) de nossa futura passagem terrena, incluindo nossa próxima infância e suas circunstâncias e o que deverá ir acontecendo em nossa vida futura.

         Conheço pessoas não-reencarnacionistas que estão, do ponto de vista espiritual, aproveitando essa sua encarnação melhor do que algumas pessoas reencarnacionistas, e nem lembram que estão reencarnados, são de religiões não-reencarnacionistas ou ateus, mas já chegaram, amorosamente, ao 2º degrau, ao 3º degrau, enquanto muitos reencarnacionistas ainda estão equilibrando-se no 1º degrau, com um pé nesse degrau, outro pé no chão. Mas essa escada é escorregadia, e muitas vezes quando estamos por ela subindo, escorregamos e caímos ao chão e temos de começar novamente a subida. Essa queda geralmente é ocasionada pelo orgulho e pela vaidade de achar-se melhor do que os outros, mais inteligente, mais poderoso, mais mediúnico, mais espiritualizado.

     A desigualdade social, uma condição perpetrada há milhares de anos neste planeta, fruto do esquecimento de sermos todos Espíritos Univitelinos de passagem pela Terra, é criada pelas pessoas que querem ser ricas. E quem quer ser rico? As pessoas que esqueceram completamente que estão aqui reencarnadas, temporariamente, que aqui é o Astral inferior onde estamos para aprendermos sobre as inferioridades humanas, e encontrarmos as nossas, um lugar para exercitarmos abrir mão do nosso egoísmo, da nossa vaidade, do nosso desejo de poder, do “tempo para nós”, do gosto infantil pelos feriados, finais de semana, férias, comidas e bebidas, um local onde viemos aprender a ser simples, amorosos, humildes, solidários, generosos, a perceber todas as pessoas como irmãos e irmãs, querer o bem de todos, e não apenas o nosso próprio bem e dos “nossos”, querer que todos tenham uma vida digna, confortável, com condições humanas de moradia, alimentação, saúde e educação, onde todos vejam-se e sintam-se como iguais, filhos do Universo, irmãos na Criação, partes do Todo, com os mesmos direitos e os mesmos deveres, em que todos auxiliem-se mutuamente, sintam-se felizes com a felicidade alheia, que queiram o seu progresso, felicidade e saúde dos demais concomitantemente com os demais.

É para isso que estamos aqui, esta é a nossa lição, este é o aprendizado a realizar, mas como fazer isso em uma sociedade materialista, que prioriza o lazer, o prazer, o egocentrismo, a vaidade, a competição, o “passar-o-tempo”?

     E o que inviabiliza ainda mais a nossa libertação é que estamos todos sob o comando de uma certa parcela dos meios de comunicação, que está sob o comando dos donos das moedas, e como ela vive da propaganda, necessita vender seus espaços em troca de publicidade e, com isso, serve muito mais como um instrumentos a serviço de uma permanente e massacrante lavagem cerebral, que nos transforma em gado indo para o matadouro e não em pessoas com opiniões próprias, com discernimento, com uma capacidade crítica que possibilitaria selecionar o que queremos e o que não queremos que entre pelos nossos olhos e pelos nossos ouvidos.

Pelo contrário, fomos convencidos de que o que está na moda é o certo, o que aparece na televisão é o moderno, que libertinagem é evolução, que hipersexualidade é liberdade, que beber alcoólicos é normal, que um jogador de futebol receber centenas de milhares de reais mensalmente é porque merece, afinal é um craque e carreira de jogador é curta, como se, depois de aposentado, fosse algo inimaginável trabalhar como taxista, como porteiro, como garçom, como marceneiro, como pedreiro, todas essas e outras profissões consideradas “inferiores”, um treinador ganhar uma fortuna é porque merece, afinal de contas nos levou para a Libertadores, nos tirou da 2º divisão, e claro que isso é muito importante, aliás é de uma importância fundamental para nos sentirmos vencedores, pois a maioria de nós, sendo frustrados, entediados e fracassados, necessitamos de vencedores que vençam por nós, precisamos de alguém que alcance o “topo” por nós. Mas que topo é esse?

Criamos uma sociedade de sucessos musicais pré-fabricados, de sucessos literários pré-fabricados, de artistas pré-fabricados, de semi-deuses pré-fabricados, onde algumas pessoas ganham muitas moedas de ouro em detrimento de uma imensa maioria que mal e mal consegue sobreviver, e, pior, admira esses “eleitos”, assiste-os sem parar nas televisões, nos palcos, na Internet, gostaria de ser um deles, inveja-os, acredita ser importante o que fazem, quando, na verdade, na maioria dos casos, eles estão apenas colaborando para manter em baixíssimo nível o nosso grau consciencial, nos transformando em fãs sem critérios, em adoradores de estátuas de barro pintadas de dourado, em uma espécie de papagaios ou gralhas que, na platéia, gritam e ficam alvoroçados a qualquer estímulo para tal  vindo do palco.

A imensa maioria da raça humana luta exclusivamente para sobreviver, ganhando salários irrisórios, vivendo em moradias humilhantes, seus filhos estudando em colégios sucateados e conseguindo, às vezes, não morrer nas filas dos postos de saúde e nos hospitais. E essa imensa maioria de pessoas recebe diariamente, através de alguns meios de comunicação, uma intensiva e ininterrupta lavagem cerebral que faz com que ache normal algumas pessoas “especiais” ganharem salários astronômicos, veja o drible que ele dá, veja o golaço que fez, não importa se foi com a mão, o que importa é vencer, e nós somos vencedores se eles vencem por nós, mas quando perdem, aí foram eles, e os atores e as atrizes, e os cantores e as cantoras, todos nós gostaríamos de ser um deles, aproveitarmos a vida, sermos famosos, aparecermos na mídia, nas revistas, na Internet, quem quer ser auxiliar de enfermagem, quem quer trabalhar em uma ONG, quem quer ir a asilos, a creches, a casas de atendimento, quem não quer ser famoso? E o que isso provoca? Qual a intenção dos donos das moedas? É apenas a manutenção da nossa sorridente infantilidade, a idiotização do nosso adolescente interno, com o entorpecimento do nosso adulto interior.

         E nessa sociedade estilo-americano, na qual fomos e estamos imersos, através de uma sutil, perniciosa e permanente campanha de dominação, que iniciou e perdura há décadas, o que é mostrado como “importante” é o que os donos das nossas cabeças resolvem por nós que é “importante”, somos convencidos diariamente como devemos ser, como devemos nos comportar, quais devem ser as nossas opiniões, ao que devemos nos dedicar, como devemos usar o nosso tempo, quais canais de televisão devemos assistir, que músicas devemos escutar, que livros devemos ler, qual deve ser a meta da nossa vida, o que é sucesso, o que é ser moderno, como sermos iguais a todos, em que devemos gastar nosso sacrificado dinheiro, o que devemos adquirir e assim lá vamos nós, gado artificialmente engordado rumo ao matadouro e, pior, sorrindo e cantando, até que a faca assassina nos abate e descobrimos que, desde crianças, nos dominaram, nos manipularam, nos conduziram por onde quiseram, determinaram as nossas opiniões, as nossas idéias e a nossa vontade. E conseguiram: nós que descemos para a Terra como Espíritos livres, prontos para fazermos uma revolução social e espiritual, fomos transformados em cordato rebanho.

         O que isso tem a ver com Reencarnação? O que isso tem a ver com desigualdade social? É que, para que existam pessoas ricas é necessário que existam pessoas pobres. É um cálculo matemático, se houverem 10 moedas e 10 pessoas, se uma delas quiser ter 2 moedas, alguém vai ficar sem a sua moeda, e se ela quiser ter 3 moedas, serão 2 pessoas sem moeda, e se quiser ter 4 moedas, ou 5, e se quiser ter quase todas, ou todas? O nosso mundo é constituído de algumas pessoas que querem ter muitas moedas e as outras pessoas, a imensa maioria, as sem moedas ou com poucas moedas. Isso sempre foi assim, porque é muito tentador ter muitas moedas pois isso significa morar muito bem, comer muito bem, vestir-se muito bem, viver com muito conforto ou luxo, e essa tentação torna-se, então, uma atitude perante a vida e essas poucas pessoas, fanatizadas pelo que as moedas fazem em sua vida, esquecem que muitas outras pessoas ficaram sem suas moedas, até lhes dá emprego, gera atividades, mas claro que não lhes dá as moedas, lhes dá condições de sobreviver, afinal de contas, necessita delas, quem irá trabalhar para gerar mais moedas para si? Viciaram-se em querer mais e mais moedas e em enganar a si mesmos, acreditando-se geradores de empregos, pessoas que criam melhores condições de vida para as demais pessoas, quando, na verdade, apenas colaboram para manter as coisas como são, perpetuando os dois grupos de pessoas: os donos das moedas e os outros.

         Um grande filósofo do século passado, Gurdjief, afirmava que a Terra hipnotiza os Espíritos encarnados, fazendo com que esqueçam completamente quem são, onde estão, a finalidade moral-social-espiritual de estar aqui e para onde voltarão depois da morte de seu veículo físico. Basta olharmos em volta para percebermos esse hipnotismo. E quais as ferramentas mais utilizadas e poderosas para manter e aumentá-lo cada vez mais? A televisão e a sua irmã, a Internet. Essa, hoje em dia, finalmente começa a ser utilizada para aproximar as pessoas em torno de ideais construtivos e revolucionários, fugindo da massificação americana que sempre visa nos transformar em cordatas e sorridentes pessoas.

O maior vício existente é o de chegar em casa, ligar a televisão no canal local predominante, que geralmente é o que tem a melhor imagem e mais glamour, e passar as noites sentados, hipnotizados, assistindo o que foi habilmente criado pelos representantes do poder para assistirmos e que, ao mesmo tempo que criam e defendem campanhas para as pessoas não beberem, têm entre seus maiores patrocinadores as cervejarias, ao mesmo tempo que defendem o fim da violência no futebol, conclamam as pessoas a irem assistir as batalhas, as guerras contra os inimigos, ao mesmo tempo que defendem a igualdade social, fazem das novelas uma sutil propaganda de um modo de vida fútil, superficial e burguês, o que faz os pobres admirarem e invejarem os ricos, querendo também ser assim, viver em casas como as deles, ter as mesmas roupas, claro que mais baratas, de qualidade muito inferior, ter os seus automóveis, nem que, para isso, tenham de roubar, precisam ter os seus celulares, os seus bonés, os tênis, as mochilas de seus filhos, nem que, para isso, tenham de sequestrá-los ou matá-los, querem ter finais de semana parecidos com os deles, as suas férias, mas não têm e nunca terão nada disso, porque as moedas nunca alcançarão as suas mãos, essas são exclusivas dos donos do poder e esses, embora toda maquiagem, nunca abrirão mão delas, pois ao mesmo tempo em que defendem o fim da violência, estimulam o consumismo, que, aliado à desigualdade social, gera violência, roubos e sequestros e só não fazem propaganda de cigarro porque isso foi proibido e não por uma decisão própria realmente ética, que é o que deveria nortear veículos midiáticos tão fortes e poderosos, e só não fazem propaganda de maconha, cocaína e crack porque isso seria um escândalo, até um dia em que poderá não ser. Afinal, qual a diferença entre propagandear bebida alcoólica, se ela é a pior das drogas e a verdadeira porta de entrada para as chamadas “drogas”? São todas drogas, produzidas por pessoas indiferentes, bloqueadas em seu amor, que preferem o lucro à moral e não se importam com o nosso bem-estar, com a nossa saúde. As drogas lícitas, o cigarro e a bebida alcoólica, são fabricadas e vendidas pelas quadrilhas oficiais e as demais drogas pelas quadrilhas marginais.

         E as novelas televisivas e sua apologia sistematizada do “amor de barriga”, da violência entre seus personagens, das crises de inveja, de ciúmes, em que os heróis são sempre os brancos, de vez em quando um negro ou uma negra é alçado a essa condição, afinal de contas é necessário que ninguém pense que existe racismo na televisão, claro que essas exceções são cuidadosamente escolhidas entre atores e atrizes que correspondam a um padrão que agrade os brancos, nunca alguém baixinho (a), gordo (a), de nariz batatudo, sempre um negro ou uma negra bonito(a), desejável, objeto de cobiça dos brancos. Os outros negros ocuparão as posições mais inferiores nas casas dos ricos, as empregadas domésticas, os motoristas, pois esse é o lugar dos que não participam da divisão das moedas.

         E os programas infantis? Sempre correria, violência, brigas, agressões, competição, disputas, tudo em alto volume, em alta velocidade, e nossas crianças assistindo esses desenhos sem parar, os olhos vidrados na tela, crescendo acreditando que assim é a vida, que assim devem ser, ficando cada vez mais agitados, mais inquietos, mais barulhentos, menos concentrados, reproduzindo em casa, na rua, nos colégios, o que assistem na televisão e na Internet, e aí surge a TDA e a TDAH, ainda bem que existe a Ritalina, a droga da obediência, para acalmá-los.

E depois, passam para os programas pré-adolescentes, em que o sistema americano especializou-se em criar gerações de jovens que acreditam que quanto mais parecer idiota, melhor, quanto mais pegadinha, quanto mais ser esperto, quanto mais vestir-se de acordo com a moda, ter os aparelhos mais e mais modernos e cada vez mais sofisticados, e que estudar é chato, que devem ser “rebeldes”, “livres”, “independentes”, sendo, na verdade, desde pequenos preparados para fazer parte do rebanho do gado engordado para ser sacrificado, mas só depois que colaborarem suficientemente para aumentar as moedas dos donos de suas cabeças.

E chegando aos programas adolescentes, a mensagem de rebeldia continua aumentando, devem ser “livres”, ser “modernos”, e a violência que antes, nos desenhos “infantis”, parecia mais ingênua, quando, na verdade, ela é intencionalmente pré-fabricada, vai aumentando nos filmes e nos games, sempre de briga, de violência, de morte, regados a sangue e membros amputados, numa banalização da competição, da agressividade, preparando esquadrões para lutar contra os “inimigos”, contra os sempre chamados “terroristas”, já que os EUA possuem a incrível habilidade de, ao mesmo tempo em que é o país mais terrorista jamais existente na face da Terra, infinitamente mais predador do que Roma e outras nações da antiguidade, consegue sempre transformar as vítimas em terroristas e eles, os vilões, os verdadeiros terroristas, em defensores da paz, da ordem e da justiça, através de alguns setores da mídia, os seus eternos aliados, pois eles são os donos da maioria das moedas. Alguém já escutou ou leu alguma vez falar no “terrorismo americano”? Nem eu.

As pessoas acreditam no que a mídia diz, e a mídia vive das moedas, e as agências de publicidade vivem das moedas, e os políticos precisam da mídia e temem-na, e o gado segue engordando, produzindo mais e mais moedas, na ilusão de que, um dia, as herdarão, mas esse dia nunca chega e nunca chegará, a não ser que os donos das moedas comecem a relembrar que são Espíritos reencarnados, que não estão aqui para serem ricos, para serem donos do poder, para dominar as outras pessoas e os outros povos, e, sim, para aprenderem a ser irmãos, a dividir as moedas, a seguir os ensinamentos de Mestre Jesus, no qual todos dizem acreditar: “Fazei ao outro o que queres que te façam!” e “Tratai ao outro como queres ser tratado!”. Acreditam no Mestre mas não o seguem, concordam mas não cumprem, é o poder do hipnotismo das moedas.

         E as competições de lutas agora transformadas em sucesso televisivo e cinematográfico? Novamente, os Estados Unidos exportando agressividade, convencendo que isso é esporte, novos gladiadores lutando nas arenas dos modernos Coliseus, sangue, suor e violência, campeonatos de lutas, games de lutas, filmes de lutas, violência, violência, sangue, sangue, ao mesmo tempo em que os que ganham moedas com isso criam e defendem campanhas pelo fim da violência, pela paz entre as pessoas, ou seja, ao mesmo tempo em que difundem luta e violência, afirmam que são contra isso. Na TV pode, nos filmes pode, na Internet pode, na vida não pode. É o poder das moedas e a hipocrisia criada, que ao mesmo tempo que divulga, apregoa e difunde a violência, afirma ser contra, como se fosse possível adorar a dois Senhores, a Deus e às Trevas.

         Você que, como eu, tem uma TV a cabo, faça uma experiência, vá do início ao fim dos canais, retorne, vá de novo, retorne, o que encontra? Filmes e séries, esporte e alguns programas ao vivo. Desses filmes e séries qual a porcentagem dos de origem americana? Escutei 90%? Escutei 95%? Você acredita que isso é apenas casualidade ou que faz parte de uma estratégia iniciada no século passado para vender uma imagem, uma maneira de viver, que os transforma, em nosso imaginário, em brothers, em heróis, em exemplos, que nos transforma em seus admiradores, eles são nossos ídolos, são modernos, são limpos, são brancos, e se são negros, são charmosos, são artísticos, são talentosos, como diz a gíria, eles são “o cara”, não como aqueles árabes, sujos e barbudos, retrógrados, ou aqueles africanos pretos como carvão, exóticos, atrasados, ou esses povinhos da América Latina, sub-desenvolvidos, mal-nutridos, que nem fazem filmes, não fazem documentários, não criam mini-séries, não devem produzir nada disso, afinal de contas nunca passa em minha TV, não sei na sua, na minha não passa, então eles não devem ter capacidade nem disso, até que, de vez em quando, passa alguma coisa, mas não dá para comparar a qualidade, a técnica, os cenários, sem falar nos temas, nos assuntos, parece que estão sempre queixando-se, reivindicando alguma coisa, falando coisas negativas, que são dominados, que são manipulados, que são presos, que são torturados, coisa mais chata, não tem algum programa bom passando aí? Vamos ver algo mais leve, pega umas latinhas lá na geladeira, vamos ver Bayern e Barcelona amanhã de tarde? Eu sei que é dia de semana, mas como é que vou perder um jogo desses, depois invento uma desculpa qualquer, levo atestado. Você não, você tem aula, nada de matar aula pra ficar em casa vendo TV! Por que eu posso? Por que sim, ora, pega mais uma latinha lá pro pai, mas nada de fumar maconha, hein? Cerveja pode, com moderação, mas não me entra nas drogas. Bebida é droga? Tá maluco... Se fosse droga não tinha propaganda, droga não pode ter propaganda... É droga lícita? A que mais adoece, a que  mais mata, a que mais provoca acidentes de trânsito, assassinatos? Deixa de bobagem, filho!

Ssshhh, olha o que tá dando na TV, imagine, agora o Irã e a Coréia do Norte querem ter armas atômicas.Mas não pode, eles são terroristas! Como assim quem disse? Eles são, as TVs dizem, os jornais dizem, os programas nas rádios dizem, eles são. O quê? Os Estados Unidos têm armas atômicas, Israel tem, a Rússia tem, a Inglaterra tem, a França tem, a Índia tem? Sim, mas eles são da ONU, da Organização das Nações Unidas, eles derrubam ditadores, eles vão nos países ajudar as pessoas, eles defendem os direitos humanos. Como? Deveriam chamar-se ONUPPI, Organização das Nações Unidas em Prol dos seus Próprios Interesses? Que é isso, filho, tá maluco? Eles derrubam os ditadores que eles mesmo colocaram quando não querem mais colaborar com eles? Quem te disse isso? Eles matam mais pessoas do que os que chamam de terroristas, invadem países à sua vontade, acreditam-se os donos do mundo, e apenas pra roubar o petróleo dos outros, só os Estados Unidos, nas últimas décadas, matou centenas de milhares de pessoas, a imensa maioria civis, mulheres, velhos e crianças, com o pretexto de estarem em seu país para os defenderem dos ditadores, dos terroristas? Eles foram os pioneiros em utilizar armas químicas? Mas onde é que você escutou isso? Eu vejo TV todas as noites, nunca falaram isso, está virando comunista?

OK, OK, eu me acalmo. Mas atacaram as Torres Gêmeas, isso foi um ataque terrorista! Mataram 2.000 pessoas! O que tem a CIA? A CIA não faria isso. Pra poder invadir o Iraque? Mas diziam que eles tinham armas atômicas e eles não podem ter! Como assim por quê não podem? Por que não, eles são terroristas. Como assim quem disse? Todo mundo diz. Como assim, quem é todo mundo? Todas as televisões, todos os jornais, todas as revistas, todo mundo! Quem são os donos das televisões, dos jornais e das revistas? Eu não conheço, claro, não frequento esses ambientes, mas são empresários, são jornalistas, pessoas que gostam de informar as outras pessoas, que vivem pra isso, estudaram pra isso. Vai querer me dizer que são todos más pessoas? Não são más, são infantis? Infantis? Mas são adultos, trabalham, têm família. São infantis consciencialmente? O que quer dizer isso? Você fala muito complicado, parece que quer me obrigar a pensar, a questionar, parece que tudo o que a gente vê na TV está errado, que o mundo está todo errado, essa conversa tá me deixando nervoso, pega um cigarrinho pro pai? Mas você não vai inventar de fumar quando crescer, hein? Pra burro chega eu. Se eu conheço a história da parceria da indústria do cigarro com o cinema americano desde a década de 30? Eles viciaram os homens, depois viciaram as mulheres, depois viciaram os adolescentes e só não estão conseguindo viciar as crianças porque estão sob intenso controle? Quem disse isso? Está nos livros, é só pesquisar? Eu não gosto de ler, não é que não gosto, não tenho paciência, acho muito chato, ficar ali, lendo, lendo, prefiro ver o noticiário na TV, ali eles falam tudo, fico recostado no sofá, bebendo minha cervejinha, depois tem a novela, depois o Big Brother, um futebolzinho ou um bom filme, mais umas 2 latinhas, fumo meu cigarrinho, e vou dormir. Aliás, deu pra esse papo, enchi o saco. Vai dormir
Mauro Kwitko

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